O FORRÓ DO GÉSSO. (Uma questão de leitura e interpretação).


Forró
50x70 cm.
óleo sobre tela
João Werner


A origem do forró, assim como o samba, vem da mistura cultural e de ritmos musicais africanos e europeus a partir dos anos que nosso país foi invadido e colonizado. Desta mistura surgiram ainda diversos outros ritmos e variações que hoje podem ser observados de ponta a ponta no Brasil. Alguns estudiosos no assunto, dentre eles Câmara Cascudo (autor do “Dicionário do Folclore Brasileiro”), apresentam a versão que durante a construção de uma estrada de ferro no nordeste do Brasil, ingleses estavam sempre organizando festas “For all”, a partir de então, o nome foi sendo divulgado e aportuguesado até chegar à identidade do nosso forró. No entanto, a versão mais contundente apresentada pelo próprio escritor é que a palavra forrobodó é originária de um dialeto africano e significa festa / bagunça, e seria o nome de batismo da nossa festa que se funde ao estilo musical.


O forró me faz lembrar uma situação muito divertida que vou relatar aqui.
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O FORRÓ DO GÉSSO
(Uma questão de leitura e interpretação).

No inicio da minha vida profissional, trabalhei em uma empresa multinacional produtora de refrigerantes, e no meu setor de trabalho o encarregado do pessoal, chamado Edgar, homem de estatura baixa que tinha aproximadamente sessenta anos, vivia convidando os funcionários para que um dia, ao término do expediente, pudessem ir ao forró que ficava localizado próximo da casa de Jonas, funcionário subalterno a Edgar.

– Qualquer dia desses ao término do expediente iremos direto pro Forró do Gésso, aquele que fica perto da casa do Jonas – dizia Edgar.

Essas afirmações quanto à localização do Forró do Gésso ser próximo à casa de Jonas, o deixava muito intrigado, pois Jonas morava naquele bairro há muitos anos e nunca soube da existência de uma casa de forró por ali.

Jonas sempre dizia:

– Você deve estar delirando, vendo coisas. No meu bairro nunca teve uma casa de forró, muito menos esse tal de Forró do Gésso.

E Edgard, sempre sorrindo, e agora imitando os passos de dança forró retrucou:

– Qualquer dia nós vamos lá! Aí você vai ver o que é arrasar dançando forró no salão.

Muitos dias se passaram e mesma história sempre rolava e se esticava nos momentos de intervalo ou próximo da garrafa de café, que ficava ao lado da porta de entrada da sala de reunião. Até que certo dia, Jonas, em tom de constrangimento fez um pedido a Edgar.

– Acho melhor parar com essa brincadeira sobre o Forró do Gésso – disse o indignado Jonas. – Conversei com moradores antigos do meu bairro e nenhum deles nunca soube da existência do tal forró, e isso já está me deixando sem graça, os colegas de trabalho me perguntam sempre que dia iremos juntos a tal casa e fico sempre falando as mesmas coisas.

Então, Edgar ajustou os seus óculos de lentes bem grossas acima do nariz, conforme costumava fazer por cacoete, e disse:

– Você lembra aquele dia de chuva que te dei carona até a sua casa?

– Sim! – Respondeu Jonas.

E logo emendou Edgar:

– Então. Foi naquele dia. Ao partir com o carro do portão da sua casa, logo avistei o Forró do Gésso. Relembrei os bons tempos quando dançava forró na minha terrinha, fiquei com muita vontade de entrar, mas como chovia muito resolvi ir logo para casa.

E mais uma vez Edgar fez o passo da dança forró e exclamou:

– Qualquer dia desses vamos lá balançar o esqueleto! Ah, garoto!

Jonas continuou sem entender, mas como não queria alimentar ainda mais aquela situação, deixou isso de lado e voltou ao trabalho.

No dia seguinte, após o café da manhã para os funcionários no refeitório da empresa, Jonas, já impaciente, e disposto a dar fim naquela situação incômoda para ele sugeriu a Edgar:

– Esta semana tem feriado na sexta-feira e não trabalharemos, porque não combinamos de ir ao tal Forró do Gésso na quinta-feira após o expediente de trabalho? Assim tiramos essa história a limpo.

– Ah, garoto! Agora falou a minha língua – disse Edgar. – Estaremos lá na quinta-feira à noite, mas tem uma condição; vou levar o Marquinho, o Júlio e o Ari, prometi que eles conheceriam o forró comigo.

– Tudo bem – disse Jonas.

Na manhã da quinta-feira, ao entrar no refeitório da empresa, Jonas se deparou com Edgar. Ele vestia uma camisa quadriculada, bem engomada e ainda com cheiro de tecido novo, um lindo sapato de couro finamente engraxado, e tinha os cabelos com brilho de gel, penteados para trás com rigor no alinhamento.

– É hoje garoto! – Disse Edgar.

Jonas, perplexo com o novo visual do seu chefe, sorriu e disse:

– É hoje sim!

Terminado o expediente de trabalho, Edgar retocou seu visual no vestiário da empresa, perfumou-se mais uma vez, e junto com Jonas, Marquinho, Júlio e Ari, entraram no seu Chevette marrom, que passara por um tratamento especial na oficina de limpeza e polimento, no dia anterior, e partiram rumo ao endereço que em sua recordação ficava perto da casa de Jonas.

– Hoje nem mesmo a chuva que cai me impedirá de voltar as minhas raízes! – Exclamou o sorridente Edgar.

Após terem parado o carro para abastecer de combustível, prosseguiram o caminho de aproximadamente 15 quilômetros e finalmente chegaram até o portão da casa de Jonas. Daquele ponto em diante, mesmo com a visão ligeiramente encoberta pela chuva, Edgar continuou guiando seu carro até o destino final – o Forró do Gésso.

– Olha lá. Já estou vendo no fim da rua. É lá. O Forró do Gésso. Estamos chegando! – Disse o ansioso Edgar.

Mesmo sem compreender bem o que estava sendo dito e com o rosto bem próximo do vidro pára brisa do carro, pois estava sentado no banco do carona, Jonas tentava enxergar a entrada da casa de forró enquanto os outros três, no banco de trás, sorriam e davam brados de alegria.

Foi quando então, Edgar parou o carro e iniciando um tom de desânimo disse:

– Não acredito! Será que hoje não tem forró por causa da chuva?

E rapidamente abriu a porta do carro e saiu enfrentando a água da chuva em direção a porta de entrada do estabelecimento.

– Não acredito digo eu! Simplesmente não acredito! E mil vezes repito: não a-cre-di-to! – Disse Jonas em tom desesperado.

E com as mãos sobre a cabeça, ainda dentro do carro junto com os outros três, Jonas começa a explicar para Marquinho, Júlio e Ari, o que de fato estava acontecendo.

– Pessoal... Isso não é uma casa de forró.

– O quê? Como assim? – Ari logo indagou.

E Jonas continuou:

– Desde o inicio percebi algo estranho, mas não conseguia entender onde isso ia acabar. Olhem bem para a placa e vejam o que está escrito.

Foi quando todos procuraram o melhor espaço para ver sem sair de dentro do carro, pois chovia muito do lado de fora, o que dizia a placa que estava de frente para rua.

Vendo a dificuldade de seus colegas em entender claramente o que estava escrito, Jonas tratou logo de explicar:

– Olhem a placa branca com letras azuis, lá diz: Forro de Gesso, e não, Forró do Gésso. Essa é uma loja de decoração, aqui eles produzem e instalam, nas casas e nas empresas, rebaixamentos e acabamentos de gesso.

Foi quando os quatro se olharam e não resistiram... Começaram a rir copiosamente. E riam, riam, riam e riam sem parar. Simplesmente não acreditavam no que estava acontecendo, no entanto, não conseguiam parar de rir para comentar o assunto.

Até que um dos quatro mesmo com lágrimas nos olhos e câimbra no maxilar, de tanto rir, conseguiu dizer:

– Chame o Edgar, ele está na chuva desolado.

Ao entrar no carro, entre as muitas gargalhadas e completamente encharcado pela água da chuva, Edgar ficou sabendo o que estava acontecendo e não teve alternativa que não fosse rir também de todo aquele acontecimento.

Todos foram levados por Edgard até as suas respectivas casas e aguardavam ansiosamente a chegada da próxima segunda-feira, quando se reencontrariam na empresa novamente, e soltariam mais gargalhadas ao compartilharem com os outros colegas a experiência vivida em busca do Forró do Gésso.





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